ESÔFAGO/ ESTÔMAGO
Doença do refluxo gastroesofágico
Elaborado por Dra Ana Luiza Guedes, Dr Jorge Guedes e Dra Julia Cabral
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é um dos problemas mais comuns do trato gastrointestinal. O retorno do conteúdo do estômago para o esôfago é um evento normal e fisiológico, que ocorre episodicamente em pessoas saudáveis (principalmente nos períodos pós alimentação) sem causar sintomas. Na DRGE, a ocorrência deste refluxo leva ao surgimento de sintomas que interferem na qualidade de vida do indivíduo e que podem estar associados ou não a feridas no esôfago.
A base patológica da DRGE é o retorno de agentes agressores, como ácido clorídrico, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas, para o esôfago e órgãos adjacentes. Para haver lesão das estruturas expostas é necessário que esses agentes superem os mecanismos de defesa do organismo, denominados barreiras antirrefluxo. Algumas alterações podem propiciar o desenvolvimento da DRGE, como o aumento da pressão intraabdominal, obesidade e hérnia de hiato.
MANIFESTAÇÕES ATÍPICAS DA DRGE | |
MANIFESTAÇÃO | TIPO |
Esofágica | Dor torácica sem evidência de enfermidade coronariana (dor torácica não cardíaca); Globus |
Pulmonar | Asma, tosse crônica, hemoptise, bronquite, bronquiectasia e pneumonias de repetição |
Otorrinolarigológica | Rouquidão; pigarro; laringite posterior crônica; sinusite crônica; otalgia |
Oral | Desgaste do esmalte dentário; halitose e aftas |
As manifestações clínicas mais comuns da DRGE são a azia e a regurgitação. A azia é descrita como uma sensação de queimação que pode irradiar-se do esterno à base do pescoço, ocorrendo geralmente nos períodos pós-alimentares. A regurgitação é a percepção do conteúdo gástrico ácido na boca, não associados à náusea ou vômitos. Outros sintomas que podem estar presente são: aumento excessivo de salivação, arrotos, e dificuldade de engolir.
A duração e freqüência dos sintomas são informações importantes que precisam ser sempre avaliadas e quantificadas. Pacientes que apresentam sintomas com freqüência mínima de duas vezes por semana, há cerca de quatro a oito semanas, devem ser considerados possíveis portadores de DRGE.
A ausência desses sintomas típicos não exclui o diagnóstico da DRGE. Diversas manifestações relacionadas com o refluxo gastroesofágico e consideradas como atípicas têm sido descritas. (TABELA 1) Os sintomas atípicos podem ser associados ou não aos sintomas descritos acima.
O refluxo gastroesofágico é a causa mais frequente de dor no peito de origem não cardíaca. Na maioria das vezes não se pode diferenciar de quadros de infarto do miocárdio, devendo este sempre ser descartado, antes que o paciente seja definido como portador de DRGE.
Os sinais ou sintomas de alerta são: anemia, presença de sangramento, emagrecimento, dificuldade e dor ao engolir, além de sintomas de grande intensidade, principalmente os que têm início recente em pacientes idosos e/ou com história familiar de câncer. Estes sinais e/ou sintomas frequentemente estão associados a complicações e devem ser investigados com exames quando presentes.
O diagnóstico da doença do refluxo inicia-se com uma história clínica bem detalhada. Pacientes com menos de 40 anos, com sintomas típicos e sem sinais de alerta podem, eventualmente, ser dispensados da realização de exames podendo receber como conduta inicial o tratamento medicamentoso durante 4 semanas (“teste terapêutico”), associado a medidas comportamentais. A resposta satisfatória ao tratamento permite inferir o diagnóstico de DRGE.
Endoscopia digestiva Alta (EDA)
A EDA, com biópsia quando necessário, deve ser o exame inicial na abordagem dos pacientes com DRGE e algum sinal de alarme ou nos que não respondem ao teste terapêutico inicial. É um excelente método para documentar o tipo e a extensão da lesão tecidual causada pelo refluxo gastroesofágico, além de afastar outras causas para os sintomas e avaliar a presença de complicações. Entretanto, o papel da EDA no diagnóstico da DRGE é questionável, visto que ela pode estar normal em um terço dos pacientes.
Phmetria de 24 horas
A phmetria é o único exame que possibilita determinar o refluxo ácido anormal, sua frequência e a sua associação com os sintomas referidos. A avaliação é tipicamente realizada através de um cateter nasal que possui um sensor de pH e que é inserido até o esôfago. Ele possibilita quantificar a exposição ao ácido durante 24h.
Suas principais indicações são:
- Pacientes com sintomas típicos de DRGE que não apresentam resposta satisfatória ao tratamento e nos quais o exame endoscópico não revelou alterações.
- Pacientes com manifestações atípicas extra-esofágicas.
- Em pacientes com indicação cirúrgica para DRGE, em que a endoscopia apresenta-se normal, como exame pré-operatório.
É importante salientar que com a phmetria apenas o refluxo ácido é avaliado. Sabe-se que dois terços dos episódios de refluxo, em pacientes em uso de IBP, são não ácidos e eles podem deflagrar sintomas da DRGE. A impedanciometria é uma técnica nova, que permite a avaliação do refluxo independente do seu pH, bem como a altura alcançada pelo material refluído. Torna possível, ainda, o diagnóstico de refluxo gasoso e líquido simultaneamente. Apresenta disponibilidade ainda escassa, estando indicado principalmente na análise de manifestações atípicas da DRGE.
Manometria esofágica
As alterações manométricas nos pacientes com DRGE são inespecíficas, por isso esse exame não é indicado como exame diagnóstico. Um dos benefícios do seu uso é na avaliação de técnicas pelo cirurgião em pacientes com indicação de tratamento cirúrgico para DRGE.
Exame radiológico contrastado do esôfago
O exame radiológico, embora seja muito difundido e apresente custo relativamente baixo, não está indicado na rotina de investigação da DRGE. A indicação deste método radiológico no diagnóstico da DRGE está restrita ao esclarecimento do significado da dificuldade de engolir.
O tratamento da DRGE tem como objetivo o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões e a prevenção de recidivas e complicações. Com propósitos práticos, dividiremos a abordagem terapêutica em clínica (englobando medidas comportamentais e farmacológica) e cirúrgica.
Tratamento clínico
- Medidas comportamentais
É fundamental para o tratamento da DRGE que o paciente saiba ser portador de uma enfermidade crônica e que haja parceria com o médico, sobretudo na educação dos pacientes para realizar as modificações ao seu estilo de vida (que são de suma importância, porém muitas vezes difícil de serem seguidas). Essas modificações visam eliminar alimentos, medicamentos e atitudes que possam favorecer o surgimento do refluxo.
A perda de peso é recomendada para todos os pacientes com sobrepeso ou que tenham aumentado o peso recentemente. A elevação da cabeceira da cama ao deitar e evitar deitar 2-3h após refeições com alto teor de gordura deve ser recomendado para controle dos sintomas, principalmente naqueles pacientes com sintomas noturnos. O uso de medicamentos como colinérgicos, teofilina, bloqueadores de canal de cálcio e o alendronato deve ser sempre questionado.
O consumo de alguns alimentos podem piorar os sintomas da DRGE, como o café, chocolate, alimentos com alto teor de gordura, apimentados, cítricos ou que contenham cafeína. A recomendação da diera deve ser individualizada, indicando-se para os pacientes que notam correlação com os sintomas ou que melhorem com a retirada.
Tratamento Famacológico
Os medicamentos utilizados para o tratamento da DRGE visam a neutralização ou a eliminação do ácido que reflui ao esôfago. Pacientes com sintomas leves e eventuais, podem se beneficiar apenas com as mudanças dos hábitos de vida. A terapia farmacológica nesses casos inclui medicações que causem alívio imediato dos sintomas, como antiácidos, que têm início de ação rápido e duração mais curta. Tipicamente são usados sob demanda, ou seja, quando surgem os sintomas.
Pacientes com sintomas importantes, devem ser tratados com inibidores da bomba de prótons (IBP), medicações que inibem a secreção ácida e são sabidamente as mais eficazes no tratamento da DRGE. (Ex: Omeprazol, Pantoprazol, Lansoprazol, Esomeprazol). Com isso, há bom controle dos sintomas na grande maioria dos pacientes, causando ainda cicatrização da esofagite erosiva, quando presente.
O tratamento de manutenção deve ser utilizado naqueles pacientes que voltam a ter sintomas após a suspensão da medicação ou nos pacientes com doença grave. É importante considerar cada caso separadamente.
Pacientes refratários, que permanecem sintomáticos ou com lesões na mucosa esofágica causados pelo refluxo, mesmo após a realização do tratamento, devem ser investigados. Nesses casos, é fundamental realização de phmetria 24h, além de certificar-se que os sintomas estão realmente relacionados à presença do refluxo.
O IBP é uma medicação segura. Entretanto, ao longo dos anos, surgiu a preocupação com os efeitos do seu uso prolongado. Sabe-se que há maior risco de infecções (como pneumonia e diarreia por Clostridium difficile) e de desenvolver gastrite atrófica, fraturas ósseas, deficiência de ferro, vitamina B12 e magnésio, além de interações medicamentosas, principalmente com o clopidogrel.
Nos pacientes sintomáticos, com baixa evidência de refluxo ácido e sem lesão mucosa, em que possa haver contribuição da hipersensibilidade esofágica, pode haver benefício do uso de antidepressivos.
Tratamento Cirúrgico
Desde a descrição do procedimento em 1956, a fundoplicatura tem sido o procedimento de escolha para o tratamento da DRGE. Este procedimento consiste no deslocamento de uma parte do estômago ao redor da parte final do esôfago, envolvendo-o e criando uma zona de pressão para evitar o refluxo. Geralmente está indicada para algumas situações como:
- Presença de complicações como estenose e Esôfago de Barret
- Pacientes que não respondem satisfatoriamente ao tratamento clínico cujo refluxo foi devidamente comprovado (inclusive aqueles com manifestações atípicas);
- Pacientes que respondem ao tratamento e necessitam de manutenção, especialmente aqueles com menos de 40 anos de idade, ou se não houver condição financeira de se manter o tratamento em longo prazo. Esse grupo é o que tem melhor resposta à cirurgia;
O tratamento cirúrgico causa alívio dos sintomas e cicatrização de esofagite na grande maioria dos pacientes. Apesar de eficaz, grande parte dos pacientes necessitam de uso de medicação para supressão ácida intermitente ou contínua após a fundoplicatura. Além disso, podem surgir novos sintomas como sensação de dificuldade para engolir, distensão abdominal e flatulência. A recorrência dos sintomas de DRGE pode ocorrer em até 10% dos pacientes nos 5-10 anos pós cirurgia.
Fonte: UptoDate
Conteúdo meramente informativo. Siga as orientações dadas por seu médico assistente em consulta médica.
Informações de acordo com a Resolução CFM 1974/11
Gastrites e úlceras
Elaborado por Dra Adriana Ribas - CRM/BA 22787
Gastrite significa inflamação ou lesão celular do revestimento do estômago e por definição é considerado um diagnóstico endoscópico. Ela pode ser agua ou crônica diante das mais diversas etiologias.
As principais causas são infecciosas sendo a principal por H. Pylori, medicamentos (principalmente os anti-inflamatórios não esteroidais ou AINEs), álcool, desordens autoimunes (como a gastrite autoimune que leva a atrofia do corpo gástrico e compromete a absorção da vitamina B12), etc. Já as úlceras gástricas acometem as camadas mais profundas, não apenas a mucosa, apresentando sintomas mais exuberantes e que podem complicar com sangramento, perfuração e quando cicatrizam podem levar a estenoses ou diminuição da luz do estômago ou duodenal.
Os indivíduos podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas principalmente quando desenvolvem úlceras, estes incluem:
- Dor na parte superior da barriga
- Sentir-se inchado depois de comer uma pequena quantidade de comida
- Diminuição do apetite
- Náusea ou vômito
- Vômito com sangue ou sangue nas fezes (principalmente sangue digerido, conhecido como melena)
O diagnóstico é feito por endoscopia digestiva alta – durante este procedimento, o médico coloca um tubo fino com uma câmera na sua boca e desce até o estômago, e durante o exame são colhidas biópsias para estudo pelo patologista. Exames respiratórios também podem auxiliar no diagnóstico de H. Pylori, embora ainda não tão disponíveis na prática.
O tratamento depende da causa da gastrite. Em geral são prescritas medicações para diminuir a produção de suco gástrico ou demais medicações que aceleram o trânsito ou que de alguma forma protegem a mucosa, como antiácidos ou medicações de barreira. Se o paciente apresenta infecção por H. Pylori é acrescido uma combinação de antibióticos. Importante ressaltar que muitos pacientes vêm com o relato de “gastrite nervosa” entretanto esse termo não tem relação com achados endoscópicos e sim com disfunções no eixo intestino-cerebral. Desta forma, alterações no sistema nervoso central, como sobrecarga emocional, podem levar ao desbalanço de neuro-hormônios e neurotransmissores que responderá no trato gastrointestinal através de alterações da motilidade e na liberação de secreções.
Ainda sobre o tratamento de úlceras gastroduodenais complicadas com sangramento, há também a possibilidade de tratamento endoscópico com a colocação de hemoclipes combinados ou não com a injeção de medicamentos como adrenalina ou a utilização do plasma de argônio como terapia térmica. Em casos refratários é indicado cirurgia.
Fonte: UptoDate
Conteúdo meramente informativo. Siga as orientações dadas por seu médico assistente em consulta médica.
Informações de acordo com a Resolução CFM 1974/11
Estenoses esofágicas
Esofagite eosinofílica
Desordens motoras do esôfago
Gastroparesia
Elaborado por Dr Luiz Almeida - CRM/BA 17896
A gastroparesia seria popularmente conhecida como “estômago preguiçoso”, mas será que existe isso mesmo? Bem, existe sim, e como veremos abaixo é relativamente comum e afeta muito a digestão de milhares de pessoas. A designação “gastroparesia” em seu sentido mais estrito, significa diminuição da força contrátil da musculatura do estômago. No entanto, este termo vem sendo empregado, atualmente, para denominar um conjunto de condições clínicas caracterizadas por esvaziamento gástrico retardado, na ausência de obstrução mecânica na região antro-piloro-duodenal. Para entendermos melhor precisamos saber um pouco sobre as funções do estômago. O estômago tem funções motoras e secretórias. Entre as suas funções motoras temos: o armazenamento do alimento; a mistura do alimento com o suco gástrico e o esvaziamento gástrico. Todas essas funções são importantes no mecanismo da digestão e todas essas etapas estão prejudicadas na gastroparesia, consequentemente, levando a uma série de sintomas e complicações para o indivíduo portador dessa doença.
Os sintomas são variados com predominância do empachamento pós-alimentar, distensão abdominal, saciedade precoce, vômitos, dor epigástrica e perda de peso. Entre os principais fatores de risco estão os diabéticos, principalmente aqueles com diabetes mal controlada; pacientes submetidos a cirurgias gástricas e pancreáticas; distúrbio neuropsiquiátricos; medicamentos; esclerodermia, insuficiência renal com uremia, entre outros. Alguns pacientes não conseguimos encontrar a causa da gastroparesia, mas nesses casos, chamados na medicina de idiopáticos, e, acredita-se que tenham relação com problemas emocionais, como exemplo stress, ansiedade e depressão.
O diagnóstico desta patologia é feito com os sintomas característicos e de forma presumida, na maioria das vezes. O médico nem sempre vai conseguir comprovar “categoricamente” a gastroparesia, mas seu papel é excluir doenças causadoras mais importantes através de alguns exames laboratoriais, da endoscopia digestiva, que nos dá algumas pistas, mas principalmente por poder excluir doenças graves com o câncer. Além de alguns exames mais específicos como a cintilografia de esvaziamento gástrico, que é utilizada em situações especiais.
O tratamento desta enfermidade baseia-se, principalmente, numa boa relação médico-paciente e de uma equipe multiprofissional. O médico, após excluir algumas causas pontuais de gastroparesia (nas quais, simples intervenções melhoram muito os sintomas), poderá utilizar drogas chamadas de pró-cinéticos, que ajudam no esvaziamento gástrico, além de promover algumas alterações na dieta e intervenções nutricionais em conjunto com a equipe de nutrição. Em situações em que, nitidamente, há um componente emocional associado, o papel do psicólogo e do psiquiatra ganha grande relevância no tratamento desse paciente. E por fim, em casos bem raros e selecionados, a equipe de cirurgia poderá ser chamada para intervir, principalmente nos casos de pacientes já operados do estômago.
Fonte: UptoDate
Conteúdo meramente informativo. Siga as orientações dadas por seu médico assistente em consulta médica.
Informações de acordo com a Resolução CFM 1974/11